Especialmente sensíveis

A sensibilidade, essa capacidade de discernir a diferença, a mínima e a mais elementar, é inerente aos humanos. Mesmo o mais bruto deles, por uma questão de sobrevivência, precisa saber rápido de outro homem violento. E os bichos? O gato sente qualquer mudança em casa; a galinha se esconde antes de a ave de rapina despontar; o elefante sabe para que lado está a água.
Diz-se contudo que alguém é sensível. Todos somos; esse é um traço fundamental à condição humana. Melhor seria então dizer “especialmente” sensível. Marcel Proust captava elementos que antes estavam somente no ar para transformá-los em palavras bem dispostas e relacionadas. Esse ofício mesmo, o de escrever, não é antes o produto de uma sensibilidade? Aproxima-se uma palavra da outra, e é o reflexo de uma na outra que diz se a união funciona ou não. A frase é também um delicado equilíbrio de palavras a expressar uma ideia, de que se aproxima, jamais alcança. E não são só as palavras exatas, bem dispostas e devidamente relacionadas. É preciso também que a sucessão desse pensamento cristalizado obedeça a um ritmo.
Observo que me detive só na sensibilidade para a escrita quando ao escritor deve ser facultada também a sensibilidade para captar o outro como tendência (o que os olhos entregam que a mão gostaria de negar); mais: captar nos outros o que servirá para compor um personagem; as tensões sociais, sejam elas amplas ou contidas numa cena; o que dizem os objetos (compara-se então o brilho da lua a de uma praia muito remota); as comparações amplo senso; os detalhes que conferem à narrativa sabor de vida… Até para não dizer é preciso saber dizer.
José Miguel Wisnik abordará esses tipos de sensibilidade a partir de Baudelaire, Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector e Orides Fontela.