A tradição do pensamento histórico e da historiografia ocidentais, até pelo menos meados do século XX, sempre operou, em suas reflexões e narrativas, a separação entre o “humano” e os demais seres, sencientes ou não. Na operação grega, as “ações” humanas no âmbito “público”, na política, na guerra e na diplomacia, eram objetos exclusivos de preocupação dos historiadores. A tradição cristã, ainda que centrada na figuração da divindade, reservou ao “humano”, a partir do pecado e da queda, o tempo histórico e o percurso da história até o fim dos tempos com o Juízo Final. A imaginação subjacente à História Mestra da Vida clássica no Ocidente, de romanos a renascentistas, praticamente desconectou o agir humano do ambiente não-social que o abrigava. A natureza, quando aparece aí, é uma espécie de quadro imóvel e quase invisível – à exceção da topografia nas guerras, ou fenômenos como o eclipse – dentro do qual os humanos agem. Os iluminismos europeus e as filosofias históricas do século XIX pensaram a natureza fundamentalmente como objeto de uso e de submissão do “humano”, pelo desenvolvimento das ciências e esclarecimento da Razão, identificando o progresso, no mais das vezes, como ultrapassagem e superação dos limites tradicionalmente impostos pela “natureza”. Em tempos de mutação nas figurações do que a tradição pensou ser o humano, agora capaz de extinção autoinduzida pela potência atômica e pela ação antropogênica na alteração do clima, da geologia, da hidrologia, enfim, do meio-ambiente, e da própria “natureza” humana, como pensar a história? Trata-se, aqui, de levantar algumas perguntas sugeridas pelo contraste entre o contemporâneo e as tradições historiográficas clássica e moderna e, na medida do possível, explorar alternativas postas no horizonte contemporâneo do pensamento sobre a história.