Imaginar o futuro, sentir o presente

Pedro Duarte

Na tradição da filosofia, a sensibilidade já foi definida como a capacidade que temos para sermos afetados. Graças a ela, podemos sentir o mundo, sermos atingidos por ele, tocados por ele através de nossas intuições. Não deixava de ser, ainda assim, uma faculdade passiva, como observara Immanuel Kant no final do século XVIII, em contraste com a faculdade intelectual do entendimento, que seria ativa com seus conceitos. O filósofo alemão apontava, entretanto, que, se as intuições sem os conceitos são cegas, o entendimento sem a sensibilidade é vazio.

O que se destaca, na sensibilidade como poder de ser afetado, é a relevância da passividade, em geral desprezada pelo ativismo moderno. Não por acaso, a palavra passividade tem a mesma raiz de paixão, pois também neste caso nós somos tomados ou até arrebatados, sem que tenhamos controle produtivo sobre o mundo. Baruch de Spinoza, na aurora da época moderna ainda no século XVII, escreveu por isso uma ética dos afetos, pois sabia bem que, mesmo para nos tornamos ativos, dependemos de paixões – alegres, e não tristes.

Hoje, contudo, a sensibilidade é insensibilizada pelo excesso ao qual ela é submetida. Na época contemporânea, a sensibilidade foi abarrotada por tantos estímulos que afetam nossos sentidos sem parar que ela parece não conseguir mais sentir, ou saber como sentir.
O objetivo desta conferência será apontar como se deu uma mutação da sensibilidade na época contemporânea em dois momentos:

– século XIX até os anos 1970, com a era moderna, o advento das grandes cidades, a corrida do progresso e uma estética do choque que atordoa a percepção, como encontramos na poesia de Baudelaire e Drummond, bem como nas análises filosóficas de Walter Benjamin ou de uma “anestética” por Susan Buck-Morss;

– anos 1980 até o século XXI, com o capitalismo tardio “24/7”, totalizante e sem brechas, cujo tempo se encontra encerrado num movimento incessante, mas ciclicamente repetitivo, resultando em uma “hiperatividade” para a qual só o sono ainda é uma barreira, como mostram as descrições de Byung-Chul Han e Jonathan Crary. 

Por fim, caberá identificar o papel da sensibilidade para o presente por seu efeito em relação à imaginação para o futuro: só assim esta ganha sentido ou sensatez na construção de mundo. Constantemente ocupados em atividades sem fim de curto prazo e de curto alcance, deixamos de sentir a mutação em que estamos e somos apenas carregados por ela. Imaginar o futuro depende da nossa capacidade de sentir o presente.