“As águas do mundo”, de Clarice Lispector, é um texto migrante, mudando de forma a cada publicação. Surgiu como crônica, mas era um trecho do romance Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres e reapareceu anos depois como conto. Transitando pelos gêneros literários, a narrativa já antecipa o cerne mesmo do que narra: as mutabilidades possíveis no encontro entre existências diversas, no caso, a mulher e o mar, seres de naturezas distintas. Revela-se aqui a notável sutileza da autora em perscrutar estados singulares da sensibilidade, olhando muito de perto vivências sensoriais criadas por uma teia verbal potente e vibrante. Pretende-se acompanhar essa experiência visceral entre humano e não humano, expressa em uma escrita igualmente vertiginosa, que aprofunda planos múltiplos de significação. O protagonismo da análise crítica será dado às imagens orgânicas e inorgânicas, submergindo nas águas do texto e retornando à superfície, como faz a mulher em sua volta às margens da praia. Parte-se da pergunta: o que se mantém e o que se desfaz quando o corpo feminino reencontra, no oceano, as águas do mundo?