Da sensibilidade humana às artes universais

Francis Wolff

O que é a sensibilidade? É o que nos permite perceber o mundo. Ou melhor, é o que faz com que o mundo nos toque, nos emocione e nos mova. Nossos sentidos são os vários meios pelos quais recebemos algo do mundo. Sem nossos cinco sentidos, não haveria nada, não haveria ninguém, nem mesmo nós. Mas tudo o que vemos e ouvimos, tudo o que tocamos, cheiramos e saboreamos, como tudo isso compõe um mundo? Como a visão, a audição,
o tato, o olfato e o paladar se estruturam em uma unidade: o sensível? Afinal de contas, o que estamos vendo? É difícil dizer: vemos cores e formas? Ou vemos coisas do mundo? E o que ouvimos? Sons? Não são eles eventos do mundo? Afinal, a que a sensibilidade nos dá acesso a quê?

Para responder a essa pergunta, ou seja, para entender a relação entre a sensibilidade humana e o mundo, há dois métodos possíveis. Podemos tentar compreender a sensibilidade em sua raiz, perguntando como ela nos dá o mundo e permite que todos nós convivamos no mesmo mundo: isso seria definir a sensibilidade com base nos sentidos, interrogá-la usando nossos instrumentos de conhecimento do mundo. Seria um bom método se nos permitisse determinar o que há de específico na sensibilidade humana. Mas esse não é o caso, porque compartilhamos mais ou menos os mesmos cinco sentidos com muitos animais.

Portanto, proporei outro método. Tentarei entender a sensibilidade humana, não mais a montante, mas a jusante, não mais por suas causas, pois elas não são específicas, mas por seus efeitos, e seus efeitos universais, se houver algum. Vou me esforçar para entender a relação entre a sensibilidade e o mundo, não pelo que o mundo faz à nossa sensibilidade, mas pelo que a nossa sensibilidade faz com o mundo. E vou me basear nesta observação: a universalidade da representação. Onde quer que haja humanidade, em todas as sociedades, em todas as culturas, em todas as crianças do mundo, há uma necessidade de entender, de se apropriar, de domesticar o mundo sensível, representando-o. De fato, não pode haver comunidade humana sem as denominadas “artes” – a que são a manifestação mais óbvia da sensibilidade humana em geral. Agora, para além da imensa variedade de artes e mídias, para além do infinito poder criativo da sensibilidade humana por meio de suas obras, há uma trilogia universal de representação: imagens, música, narrativas. Os seres humanos sempre e em toda parte representaram as coisas do mundo por meio de imagens, os eventos do mundo por meio da música e as ações humanas por meio de histórias.

Pelo menos desde o Paleolítico Superior, em todas as sociedades, os homens criam imagens. Quase todas as crianças fazem desenhos de pessoas, casas, flores, etc. O que os homens fazem com as imagens? Mil usos: culto, edificação, lembrança, testemunho, comemoração, diagnóstico, identificação, sinalização, ensino, comunicação, contemplação, etc. Não há atividade ou aspiração humana que não possa ser baseada em imagens. Mas os seres
humanos não criam imagens apenas pelo poder que elas lhes dão, mas pelo poder que elas têm sobre eles. O que as imagens fazem aos homens? Mil efeitos: medo do Inferno, esperança do Paraíso. piedade, amor, admiração, raiva, vingança, vergonha, desejo sexual, etc. Podemos quebrar imagens, mutilá-las, beijá-las, chorar diante delas, viajar semanas com a perspectiva de vê-las ou tocá-las. Podemos travar uma guerra para possuir imagens ou para destruí-las, derramá-las derrubá-las, cuspir nelas. Algumas imagens são tão valiosas que não podem ser vistas, como os desenhos que adornam as tumbas dos faraós. 

O mesmo vale para as artes sonoras. Por que os seres humanos precisam de ritmos, canções e melodias? Por que eles fazem música? Pelo prazer de ouvi-la? Sem dúvida. Dançar? Claro que sim, para dançar. Mas também para se sentirem juntos, para ficarem tontos, para fazer chover ou parar a chuva, para acordar a nação ou colocar a criança para dormir. Obviamente, há milhares de outros usos para a música. Mas, além de todos esses usos, há uma necessidade universal. Por que, então, onde quer que haja seres humanos, há música? Por que a sensibilidade humana precisa se expressar dessa forma?

O mesmo se aplica às histórias. Por que é preciso contar histórias às crianças, e até mesmo contar as mesmas histórias repetidas vezes? Por que todas as sociedades se baseiam em histórias de origem: “Antes éramos isso, agora nos tornamos aquilo”? E por que cada um de nós precisa contar histórias para si mesmo a fim de sentir que é quem é: “Nasci em tal e tal dia, em tal e tal lugar, filho ou filha de fulano e fulana”? Então, surge novamente a mesma pergunta: como a sensibilidade humana se expressa nessa necessidade?

Imagens, música, histórias: essas são as três manifestações universais da sensibilidade humana. Ao tentarmos esclarecer sua razão de ser, esperamos entender tanto o que a sensibilidade nos diz sobre o mundo quanto o que ela faz com ele.