Ontem, Vladimir Safatle falou para “Mutações: a sensibilidade e a construção do mundo”, no Rio de Janeiro.
Destacam-se da enriquecedora conferência a observação de dois aspectos em que o discurso da esquerda erra ao analisar o bolsonarismo.
Primeiro, costuma-se atribuir um “déficit cognitivo” ao eleitor de Bolsonaro por acreditar em “fake news”. Ora, a distância entre o que aconteceu e o que poderia ter acontecido é cada vez menor. Além do mais, a “fake news” não é propriamente uma novidade. O Ocidente criava constantes “fake news” contra a União Soviética, e a adesão era grande. Note-se ainda que, se há, de um lado, as “fake news”, há, de outro, as promessas de Bolsonaro, que na maioria das vezes são infelizmente cumpridas.
Outro falso “déficit” atribuído aos bolsonaristas é o psicológico. Eles seriam ressentidos. O que é o ressentido? É alguém a quem algo foi tirado; alguém que sente nunca ter sido reconhecido. Atribui-se isso à classe-média que, em governos anteriores, viu a distância entre ela e o desfavorecido diminuir. Acontece que, na última eleição, Bolsonaro recebeu 49% dos votos válidos; logo, recebeu votos, e aos milhões, de todas as classes sociais, sobretudo dos desfavorecidas.
Como analisar melhor o bolsonarismo? Como funcionam as “fake news”? O que substitui o ressentimento?