Como construir esteticamente um povo: fascismo e indústria cultural no Brasil

Vladimir Safatle

“A sobrevivência do nacional-socialismo na democracia é potencialmente mais ameaçadora do que a sobrevivência de tendências fascistas contra a democracia.” Essa é uma afirmação de Theodor Adorno que ganhou atualidade brutal. A ideia de tendências fascistas no interior das democracias liberais passava, no seu caso, pelo reconhecimento de similaridades entre estruturas de personalidade autoritária e processos de formação da subjetividade próprios à indústria cultural. Ou seja, haveria uma forma hegemônica de constituição social da sensibilidade própria à indústria cultural que seria similar às dinâmicas de recalque e violência constitutivas de sujeitos suscetíveis ao fascismo. Gostaria de defender que esse diagnóstico é preciso e deve ser mobilizado para entender elementos fundamentais dos impasses nacionais. 

Há uma dimensão fundamental da formação nacional que deve ser compreendida como uma construção estética. De fato, o Brasil é um caso exemplar de formação nacional que mobiliza forças utópicas de construção estética de um povo. Mas seria o caso de falar no plural, de falar sobre construções concorrentes que atravessarão tanto o século XX quanto o século XXI. Uma delas se vincula à história do fascismo nacional e de suas conciliações extorquidas. E seria importante entender o fascismo nacional como uma construção estética, ao invés de uma negação simples da cultura. Ele o é desde o integralismo. 

Essa construção pressupõe regimes específicos de sensibilidade, de dessensibilização, de afecção e de violência. Ou seja, ela pressupõe uma verdadeira política do sensível, como outros já disseram antes de nós. Será o caso nessa conferência de compreende-la, de insistir em suas relações orgânicas com os modos de sensibilidade próprios à indústria cultural. Isso significa, por sua vez, defender que tal conceito de indústria cultural não é obsoleto. Antes, sua atualidade é fundamental para a crítica social e para a compreensão das dinâmicas do fascismo em nossa sociedade.
A crença na obsolescência do conceito de indústria cultural apenas facilitou a imposição hegemônica de um regime de sensibilidade que mostra agora sua conta política.